Elas nunca haviam saído de moda, até porque são um clássico, mas, nas últimas duas temporadas, as pérolas mudaram de personalidade, deixando de lado a fama de bem-comportadas e quase caretas para assumir postura subversiva, questionadora, quase rebelde mesmo. Praticamente todas as coleções deste verão europeu, e do pre-fall também, trazem versões originalíssimas com pérolas, da austera Céline(anéis de falange, esferas no salto do sapato) à boa e velha Chanel, passando por Chloée, lógico, pela Dior, com seus brincos Mise en Dior compostos de duas esferas de tamanhos diferentes que “abraçam” o lóbulo como se fossem um artefato tribal. A inacreditável La Peregrina, que foi criada para a rainha Mary I da Inglaterra e dada de presente por Richard Burton a Liz taylor em 1969, foi leiloada por US$ 11,84 milhões após a morte da atriz, um recorde para uma joia de pérolas. Melhor amiga dos diamantes, Marilyn Monroe nunca foi muito chegada a pérolas, mas não hesitou em usar um fio clássico quando precisou ir ao tribunal assinar seu divórcio de Joe DiMaggio. Há um ano foi o remake do filme O Grande Gatsby que fez emergir novamente o desejo pelas bolinhas preciosas, já que levou às telas, com muito glamour, o período dos anos 20, em que as mulheres chacoalhavam seus longos colares enquanto dançavam o charleston. Mas esqueça o sautoir ou o chuveirinho pelos quais você se encantou no ano passado. Gatsby passou; já deu. A pérola ganha nova roupagem em dimensões agigantadas combinada a aço escovado de linhas retas – como no verão da Chanel –; com ares minimal, vide o anel de falange do pre-fall da Chloé; e em versão barroca, presa a garras afiadas assimétricas pelas mãos da designer e escultora Bibi van der Velden. Dona de uma das mais fabulosas coleções de joias da história recente, a duquesa de Windsor se servia do colar-coleira Cartier herdado da sogra Mary cada vez que sentia que precisava se impor e intimidar seus detratores; foi Coco Chanel quem propôs o uso das pérolas no cotidiano, misturadas a outras joias em looks navy à beira-mar, além de mostrar que sua versão fake também era possível e não tinha nada de deselegante. Mas nada se compara à extraordinária coleção de alta-joalheria da Chanel, apresentada durante a temporada de couture em janeiro; um conjunto de peças racéesque resgatam a magnificência, sem a maldição burguesa. Há rosáceas de camélias; um broche de 602 brilhantes com 25 pérolas de cultura japonesa; além de um colar com 712 brilhantes perfazendo pouco mais de 17 quilates, nove diamantes marquise, seis safiras coloridas e 38 pérolas de cultura do Taiti, dos mares do sul e de água doce em diversas tonalidades. O conjunto acima já chama bastante atenção, mas as estrelas são dois colares: o Perles de Jour (o mais caro, de €2,2 milhões, com pérolas brancas eum diamante central de oito quilates) e o Perles de Nuit, com bolinhas negras. Conhecida como a Mona Lisa holandesa, a tela "Moça com Brinco de Pérola", pintada em 1666 pelo mestre da luz Vermeer, comprova o poder natural da pérola de irradiar a luz verticalmente e, assim, iluminar a face. Seja lá qual for o estilo da vez, fato é que pérolas dão um lustre de dignidade à mais mundana das criaturas, em qualquer época – e vem daí seu fascínio atemporal. A duquesa de Windsor teve uma das mais fabulosas coleções de joias da história recente, mas jamais se separava de seu colar de pérolas. Cada vez que as ofensas a sua pessoa tomavam um vulto colossal – afinal, provocou a abdicação do marido, o rei Eduardo VIII, ao trono inglês –, ela se servia de seu colar-coleira da Cartier, que pertenceu à sogra, a rainha Mary, para ganhar aura de grande dama e intimidar os detratores. Na outra ponta, Marilyn Monroe dizia que a única peça que lhe dava segurança era, adivinhe, o colar de pérolas dado a ela pelo marido, o craque do beisebol Joe DiMaggio. Ironia do destino, foi a peça que escolheu para assinar no tribunal a sentença do divórcio.
Pérolas são as gemas das rainhas e a rainha das gemas. São o oposto absoluto dos diamantes, seus maiores concorrentes. Se eles são o nec plus ultra do mundo mineral, resultado de um processo geológico de dezenas de milhares de anos que os transformaram no mais duro material encontrado na natureza, elas são fruto delicado de um processo puramente biológico; e semiescatológico – uma combinação de parasitas que se alojam na ostra, que por suavez se defende excretando uma substância, a nácar, de forma concêntrica. Esse fenômeno parece trivial, mas ocorre apenas com uma a cada 10 mil ostras.
Essa raridade fez da pérola uma estrela absoluta desde a Grécia antiga (os gregos apelidaram-na de “lágrima dos deuses”), atravessando milênios como símbolo soberano de status. No mundo das joias, assim como no das roupas, existem modismos. Diamantes, esmeraldas, rubis e safiras alternam-se nas preferências; as pérolas jamais saem de uso. Adornavam as coroas dos reis medievais; cobriram as perucas ruivas de Elizabeth I; as roupas de Luís XIV; os rostos da nobreza japonesa, que as triturava para passar no rosto em busca de uma pele alva. Há uma ótima explicação para essa longevidade das pérolas como prediletas das mulheres em qualquer época: quando você usa um diamante, presta-se atenção no diamante; quando usa um colar de pérolas perfeitas e naturais, é seu rosto que atrai todos os olhares. A irradiação da luz na superfície perolada não é difusa, mas vertical. Um poderoso iluminador avant la lettre, como atesta a pintura Moça com Brinco de Pérola, de Vermeer. Manias de outrora: a socialite babe Paley (à direita) gostava de usar o longo fio virado para trás, enquanto o remake de O Grande Gatsby disparou a febre pelo sautoir. Hoje, a China, maior produtor de pérolas de cultura, despeja avalanches na cara das no mercado. E são belíssimas as pérolas de cultura do Taiti e da Austrália. O que o Catar quer fazer é promover a importância e a raridade das naturais, “selvagens”, que têm centenas e centenas de camadas de nácar contra as dezenas das cultivadas. Antes de providenciar qualquer diamante, uma mulher precisa urgentemente de pérolas. Pode ser ínfima, na forma de um brinquinho, que a mãe vai colocar na criança ainda no berço e – suprassumo do chique – um dia a neta dela também usará. O importante é cuidar delas como se fossem o próprio bebê, ao abrigo de sprays, perfumes, cremes e colônias, porque elas são tão fascinantes quanto frágeis. É aí que reside sua força milenar. Favor não as jogar aos porcos! (BRUNO ASTUTO) Este é apenas um trecho da matéria "Esferas do poder". Leia o texto na íntegra a partir da página 161 da edição de maio da Vogue Brasil. |
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Esferas Do Poder: O Retorno Das Não Tão Clássicas Pérolas Ao Porta-Joias
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